As minhas crónicas nas consultas de dor orofacial e disfunção temporomandibular – caso 3

Paciente com síndrome de Ramsay Hunt, um caso complexo com disfunção temporomandibular - caso MFTD 

No dia 26 de setembro de 2023, observei na minha consulta a doente MFTD de 71 anos. Era uma doente que em setembro de 2022 tinha sido diagnosticada com síndrome de Ramsay Hunt e um quadro de paralisia facial. Vinha acompanhada do seu marido e vinham com um ar muito carregado de sofrimento e desespero. Tinham sido referenciados por um colega Cirurgião Plástico. As principais queixas da doente eram de dor intensa (7/10) e dor moderada (5/10) na articulação temporomandibular (ATM) esquerda e direita, respetivamente. Sentia muita tensão muscular na face e no pescoço e estalidos nas duas ATM. Já tinha usado uma goteira feita pelo seu dentista sem resultados, tinha feito fisioterapia e osteopatia mas sem melhorias. Tinha também a sensação que estava cada vez mais com dificuldade em abrir a  boca. O marido ia acenando com a cabeça, e de forma respeitosa, parecia compreender as queixas da sua mulher. Quando fiz o meu exame objetivo à doente percebi imediatamente que era um caso complexo que teria de estudar melhor com alguns exames de imagem – neste caso TC (tomografia computadorizada) e RM (ressonância magnética). Na segunda consulta, a doente veio com os exames onde se confirmava a minha suspeita inicial. Na TC podia observar-se uma osteoartrose articular muita avançada, com osteofitose e esclerose subcondral. Parecia haver contacto ósseo. Na ATM esquerda havia uma osteoartrose importante. A RM mostrava um disco perfurado na ATM direita, e um deslocamento sem redução do disco esquerdo. Perante este caso tive dúvidas sobre a melhor abordagem na ATM direita.

 Se por um lado os nossos estudos mostravam que a cirurgia aberta com discectomia, seria a melhor abordagem, tive receio que houvesse uma paralisia facial provocada por mim, porque esta doente já tinha feito 2 liftings faciais há 20 e 7 anos, o que aumenta o risco de paralisia facial mesmo usando a minha técnica RHITNI. Tinha estado há pouco tempo em Londres a ajudar um colega meu numa cirurgia complexa e vi-o usar células mesenquimatosas em casos de osteoartrose severa. Como esse colega, também é membro da Sociedade Europeia de Cirurgiões da Articulação Temporomandibular, confio na sua excelência clínica. Ele tinha 17 casos operados com bons resultados. Outro colega meu, Dinamarquês, da mesma sociedade, tinha cerca de 30 casos, e num curso que leccionamos em Dusseldorf, mostrou-se muito otimista com a aplicação desta técnica em casos avançados. Partilhei com a doente as minhas dúvidas e as minhas sugestões, e juntos, decidimos avançar para uma cirurgia minimamente invasiva com um artroscópio de 1.9mm e tratamento com células mesenquimatosas. Na realidade, acredita-se que estas células vão permitir uma regeneração das estruturas articulares. A doente foi operada no dia 29 de outubro e a cirurgia foi um grande sucesso! No meu primeiro dia de consultas de 2024, vi a doente numa consulta de rotina pós cirurgia. Quando a vi entrar, vi o seu sorriso, senti aquele casal leve e feliz. Disseram-me que estavam maravilhados com todo o processo, que nunca mais tinha tido dor. A única queixa foi ter tido algum desconforto a comer frutos secos na passagem de ano, o que me fez sorrir e reforçar que nesta fase é normal ainda não tolerar comer frutos secos, e que eu estava muito feliz por saber que esse era o único incómodo que tinha. Ainda é cedo para tirar conclusões, mas este resultado é um bom indicador para o uso desta técnica em situações complexas.